terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Psiquiatra reflete sobre como a pílula anticoncepcional revolucionou a sociedade


Flávio Gikovate comenta as mudanças que o medicamente proporcionou à vida feminina



O lançamento da pílula anticoncepcional, no início dos anos 60, deu às mulheres a opção de decidir quando e quantos filhos gerar. Esse fator, aliado à série de inovações tecnológicas e culturais em andamento na época, acelerou o processo de transformação social e o comportamento das pessoas.


A seguir, o psiquiatra Flávio Gikovate responde a cinco perguntas sobre como os pequenos comprimidos mudaram os rumos da história feminina e da humanidade nos últimos 50 anos.


Quais foram os principais impactos do surgimento da pílula anticoncepcional em relação aos costumes da sociedade?


Flávio Gikovate — A pílula criou condições muito favoráveis para a efetiva emancipação sexual da mulher. A liberdade sexual, ao lado da emancipação financeira que as mulheres começaram a galgar durante a 2º Guerra Mundial, foram preponderantes para afrouxar a dependência da mulher em relação ao homem em todos os aspectos. Em paralelo a isso, a mudança na forma de o casal dançar — com a introdução do rock 'n roll, agora dançam separados — e o apelo da tecnologia — TV, computadores etc — trouxe à tona com muita força o aspecto da individualidade. Mas realmente não sei se as coisas teriam andado da forma como andaram se a pílula anticoncepcional não tivesse sido criada.


É possível comparar a revolução que a pílula proporcionou para a mulher com algum outro marco histórico na vida feminina?


Flávio Gikovate — Acredito que a revolução causada pela pílula possa se comparar ao que significou a 2ª Guerra Mundial para as mulheres. Naquela época, a ida dos homens para os campos de batalha forçou as mulheres a ocuparem postos no mercado de trabalho aos quais antes não tinham acesso. Elas passaram experimentar a independência financeira e, mesmo com o fim da guerra, não deixaram de trabalhar fora. Isso tornou a sociedade mais igualitária. E essa independência econômica se tornou ainda mais marcante com a pílula, anos mais tarde. Isso porque com a pílula, a mulher passou ter oportunidade adiar a maternidade para priorizar a carreira profissional.


Como exatamente a pílula anticoncepcional influenciou a vida profissional das mulheres?


Flávio Gikovate — A possibilidade de programar a gravidez deu à mulher a possibilidade de postergar a maternidade para um período de mais maturidade, quando ela já tem uma carreira profissional consolidada. Além disso, poder optar por quando ter filhos abriu para as mulheres as portas de universos profissionais antes restritos aos homens. Basta vermos que há 50 anos, apenas 10% dos alunos de medicina da Universidade de São Paulo (USP) eram mulheres. Na turma em que me formei eram pouquíssimas médicas. Hoje, nas faculdades de medicina, temos cerca de 60% de mulheres. Na Poli (escola de engenharia da USP), apenas 1% das vagas do curso de engenharia era ocupada por alunas. Atualmente, são 33%. Creio que alcançando níveis de formação cada vez mais avançados, em 20 anos as mulheres passarão a ganhar mais que os homens.


O que significou a pílula anticoncepcional para o papel da mulher na família?


Flávio Gikovate — O que posso dizer é que cada vez mais mulheres optam por adiar ao máximo a maternidade ou escolhem não ter filhos. Isso impacta a família. Podemos olhar o caso da Itália, onde cerca de um terço das mulheres não têm filhos. E isso é uma tendência mundial. Por outro lado, as mudanças dos últimos 50 anos foram muito radicais e grande parte dos indivíduos não conseguiu acompanhar essas mudanças do ponto de vista psicológico. Daí vermos o aumento desenfreado da obesidade e do consumo de drogas e álcool, por exemplo.


De acordo com o IBGE, a taxa de fecundidade brasileira decresceu da média nacional de 6,3 filhos em 1960 para 5,8 filhos em 1970, chegando ao patamar de 2,3 filhos em 2000. Na sua opinião, qual foi o papel da pílula anticoncepcional neste caso? Você acredita que o comportamento da brasileira está evoluindo de forma a diminuir ainda mais a taxa de fecundidade?


Flávio Gikovate — As brasileiras estão seguindo a tendência mundial e tendo cada vez menos filhos. Atualmente, a taxa de fecundidade nacional já está em menos de dois filhos por mulher. Acredito que essa tendência já tenha se consolidado no Brasil.


DONNA ZH ONLINE

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