Estudos não trazem evidências de que bocejar aumenta a vigilância no cérebro
Todo mundo boceja, mas ninguém sabe a razão. Nós começamos ainda no útero, e ainda o fazemos na velhice. A maioria das espécies vertebradas, mesmo pássaros e peixes, também bocejam – ou ao menos fazem algo muito similar a isso. Mas os mecanismos fisiológicos da ação, seu propósito e seu valor de sobrevivência continuam sendo grandes mistérios.
Sobram teorias – um recente artigo na revista "Neuroscience & Biobehavioral Reviews" delineou várias delas –, mas faltam evidências experimentais de qualquer uma delas esteja correta.
"A falta de provas experimentais é algumas vezes acompanhada por discussões acaloradas", diz Adrian Guggisberg, o principal autor.
Hipócrates propôs, no século 4 a.C., que o bocejo se livrava do "ar ruim" e aumentava a quantidade de "ar bom" no cérebro. A visão moderna dessa teoria, amplamente defendida hoje em dia, é que bocejar ajuda a elevar os níveis de oxigênio e reduzir o dióxido de carbono.
Se isso fosse verdade, segundo Guggisberg, então as pessoas bocejariam mais enquanto se exercitassem. E pessoas com doenças pulmonares ou cardíacas, que muitas vezes sofrem com a falta de oxigênio, bocejariam mais que qualquer um.
Pesquisadores expuseram participantes saudáveis a misturas de gás com altos níveis de dióxido de carbono, e descobriram que isso não causava mais bocejos. Na verdade, não existe um estudo mostrando que os níveis de oxigênio no cérebro se alterem de qualquer forma pelo ato de bocejar.
Em outras palavras, observação e experimentos sugerem que a melhor maneira de aumentar o oxigênio sanguíneo no cérebro não é bocejando, mas respirando rapidamente.
Não há dúvida de que o bocejo ocorre com maior frequência antes e depois de dormir, e a sensação subjetiva de sonolência acompanha o aumento de bocejos. Assim, talvez bocejar ajude a nos manter acordados.
Pesquisadores testaram essa hipótese, induzindo pessoas a bocejar e observando sua atividade cerebral através de um eletroencefalograma durante o bocejo. O EEG não produziu evidências de que bocejar aumentava a vigilância no cérebro ou no sistema nervoso central.
Alguns pesquisadores sugeriram o oposto – que bocejar reduz a excitação e nos ajuda a dormir. Porém, embora o bocejo e a sonolência ocorram ao mesmo tempo, nenhum experimento provou uma ligação causal entre os dois.
O propósito do bocejo poderia ser ajustar a temperatura corporal? Pesquisadores mostraram que bocejos contagiosos (induzidos por vídeos de bocejos) podem ser diminuídos colocando-se um pacote gelado sobre a testa, e aumentados com um pacote quente. Mas o experimento, segundo Guggisberg, não controlou outros fatores - um bom pacote morno tem mais chances de causar sonolência, e o gelado de gerar vivacidade, tornando impossível determinar o real efeito da temperatura.
Enquanto Guggisberg classifica as evidências da teoria de ajuste térmico como inconclusivas, Andrew Gallup, um colega do pós-doutorado de Princeton, discorda.
"Em experimentos com ratos, o bocejo é precedido por rápidas elevações na temperatura do cérebro, e em seguida as temperaturas voltam a cair", afirmou ele. "Isso sugere uma associação com uma função termorregulatória, embora não possa ser interpretada como causal".
Gallup descreve sua posição num artigo aceito para publicação em "Neuroscience & Biobehavioral Reviews", a mesma revista onde aparece a análise de Guggisberg.
Outra teoria é que bocejar ajuda a equalizar a pressão no interior do ouvido médio com a pressão do ar no ambiente externo. Mas essa função pode ser cumprida por outras técnicas - mastigar ou engolir -, então não há razões para acreditar que o bocejo seja uma vantagem evolutiva essencial. E não existem provas de que os bocejos aumentem com alterações na pressão atmosférica.
Então para que serve o bocejo? Crianças com menos de 5 anos não são afetadas pelo bocejo contagioso, mas humanos adultos, chimpanzés, macacos e cachorros - animais com avançadas habilidades sociais -, sim. Aparentemente, é preciso ter um entendimento do estado mental dos outros para que o bocejo contagie.
Essa ideia é defendida por observações de exames de ressonância magnética em humanos: observar outras pessoas bocejando ativa regiões do cérebro relacionadas à imitação, à empatia e ao comportamento social.
Para Guggisberg, essa interpretação social é a única que parece contabilizar todos os aspectos do fenômeno. Mas Gallup aponta que espécies solitárias também bocejam, e que chimpanzés e humanos bocejam quando estão sozinhos.
Gallup reconhece que o bocejo pode ter uma função social em algumas espécies, mas diz: "Qualquer função social que ele tenha seria uma característica derivada, e não um traço mais primitivo e fundamental do comportamento".
Guggisberg, pesquisador da Universidade de Genebra, ofereceu uma conclusão que poucos especialistas poderão contestar. "Bocejar", afirmou ele, "é um fenômeno muito rico e complexo".
B O L
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