domingo, 2 de janeiro de 2011

Futuro da medicina: remédios poderão combater o câncer

Perfil da doença será mais crônico do que letal



Isso não significa que uma vitória definitiva é esperada para breve, mas a multiplicação de "remédios inteligentes" (veja box) capazes de combater com maior precisão tumores específicos. Embora o número de casos deva continuar em elevação pelos próximos 30 anos, devido ao envelhecimento da população mundial, a chance de um paciente sobreviver será cada vez maior.


Em vez de buscar uma substância milagrosa, capaz de derrotar todo tipo de neoplasia, nos últimos 10 anos os cientistas se empenharam em estudar como cada tipo de tumor se comporta: investigar seu DNA, como se origina e se esconde do sistema imune dos pacientes, de que maneira se espalha pelo corpo. Essa pesquisa vem apontando pontos frágeis capazes de serem explorados por uma nova classe de medicamentos.


— Quanto mais entendemos como os tumores se formam e se comportam, mais eficazes são os novos remédios que produzimos — afirma o diretor do Serviço de Oncologia e professor da Faculdade de Medicina da PUCRS, Bernardo Garicochea.

Ele dá um exemplo. Recentemente, percebeu-se que 25% das vítimas de câncer de mama apresentam níveis elevados de uma proteína chamada HER-2. Em seguida, descobriram que a proliferação se devia ao fato de que essa substância era vital para o tumor. Ao desenvolver um remédio que reduz a quantidade de HER-2, os médicos ganharam terreno na guerra contra o câncer de mama. Um método semelhante foi desenvolvido para um tipo de câncer de intestino.

— Há dezenas de exemplos como esses, em que defeitos genéticos viram método de tratamento. Conhecimento é poder — comenta Garicochea.


Nas próximas décadas, deverá haver centenas de remédios como esses, chamados "inteligentes" porque atuam sobre as células cancerosas e poupam as demais, à disposição da medicina. Eles poderão ser usados em combinação com técnicas tradicionais, como a quimioterapia, e até substituí-las ao longo do tempo. Conforme o oncologista do Hospital de Clínicas Gilberto Schwartsmann, além de escolher o produto mais eficiente para o tipo específico de tumor do paciente, os médicos poderão basear sua escolha no tipo biológico do doente.

— Podemos dizer que haverá um tratamento para cada paciente. Quando a Dilma (Rousseff) teve câncer, o tratamento combinou quimioterapia com um remédio que bloqueou uma proteína específica do tumor que ela teve — exemplifica Schwartsmann.


Hoje, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais da metade dos casos de câncer no mundo já encontram cura. Até 2030, como o envelhecimento da população mundial se intensificará, o número de casos deverá crescer. Por isso, apesar dos avanços na medicina, acredita-se que o número de mortes pode passar de 7,9 milhões, em 2007, para 11,5 milhões ao ano. Novas descobertas poderão refazer essa conta.

A aposta de Liane


Até a década de 90, os poucos casos de vítimas de câncer que a corretora de imóveis Liane de Araújo, 55 anos, conhecia haviam morrido. Por isso, em 1997, assustou-se quando soube que estava com câncer de mama, combatido com doses de radioterapia, quimioterapia e uma cirurgia. Liane ilustra os avanços que a medicina vem conquistando na guerra contra a doença.


— Na minha época, a gente tinha de tirar também uns gânglios que ficam na axila. Hoje, não — compara.


A experiência fez com que Liane tomasse a decisão de ajudar outras mulheres a prevenir ou derrotar o câncer. Voluntária no Instituto da Mama, em Porto Alegre, atualmente ocupa o cargo de vice-presidente e demonstra confiança em novas vitórias da ciência sobre a doença.


— Talvez, em 15 anos, possamos ter uma vacina contra o câncer de mama — aposta.

Três fases da doença


Confira, com base em alguns exemplos, a evolução dos tipos e tratamentos dos tumores desde o século passado e a projeção para o futuro:


Em 1900

Tipo

Na virada do século 19 para o 20, a prevalência da doença era muito inferior à de hoje entre a população. Nos Estados Unidos, por exemplo, 4% das mortes decorriam de neoplasias, contra 26% atualmente. Entre os tipos mais comuns, estava o câncer estomacal. O consumo de água impura e de alimentos mal conservados levava a seguidas infecções, que, em muitos casos, acabavam por desencadear tumores. Com a melhoria das condições de vida, esse tipo de câncer entrou em declínio.


Tratamento

Quase sempre, a doença era descoberta quando provocava fortes dores — o que indicava estágio avançado e virtual impossibilidade de cura. O tratamento mais comum eram analgésicos à base de opiáceos, destinados a aplacar as dores violentas. Em raros casos, era possível fazer uma extração do órgão. Quase sempre, a medida era inútil porque o câncer já havia se espalhado.


Resultado


Na grande maioria das vezes, o diagnóstico representava uma sentença de morte dolorosa.

Hoje

Tipo


O forte apelo desenvolvido pela indústria tabagista ao longo de várias décadas multiplicou a quantidade de casos de câncer de pulmão pelo mundo — transformando-o na modalidade de neoplasia responsável pelo maior número de mortes: cerca de 1,3 milhão de vítimas por ano.


Tratamento


O combate à doença inclui recursos já tradicionais, como quimioterapia e radioterapia, mas já começa a fazer uso dos chamados "remédios inteligentes". Esses medicamentos são produzidos para atacar tipos específicos de câncer, utilizando informações sobre os genes do tumor. Assim, são capazes de localizar e atacar com maior eficácia os focos da doença.


Resultado


A doença ainda é considerada grave, mas não é mais uma sentença de morte. De todos os tipos de câncer, em mais da metade dos casos já há cura.

Em 2030


Tipo


Acredita-se que casos de câncer de mama, nas mulheres, e de próstata, nos homens, deverão continuar aumentando nas próximas décadas. Uma das razões para isso é o progressivo envelhecimento da população, que favorece o surgimento de tumores desses tipos.

Tratamento


A quimioterapia e a radioterapia ainda deverão fazer parte do arsenal médico, mas cada vez mais o tratamento será individualizado. Cada subtipo de tumor deverá ter um remédio específico, que também levará em consideração as características biológicas do doente. Além disso, pacientes que tiverem predisposição genética identificada, por meio de exames, para determinados tipos de câncer, poderão receber cuidados e tratamentos preventivos.

Resultado

Não deverá haver uma cura genérica para o câncer, mas tratamentos cada vez mais precisos para cada tipo de tumor, e sistemas mais eficazes de detecção precoce. Em um cenário otimista, no futuro, a neoplasia pode se transformar em uma doença de perfil mais crônico do que letal.

CADERNO VIDA - ZH

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